Nossos corpos são construídos pelo sistema em que vivemos. Crescemos ouvindo histórias de como um corpo deve existir para ser considerado bonito e desejável. É uma das várias formas de controle social.
Por Maurício Busatto – de Brasília
Moro na Cidade Baixa, bairro poderoso de Porto Alegre (RS). Eu me sinto em casa aqui. É um lugar de subversão, de luta. Festas de rua, eventos culturais, pinturas que escalam paredes, árvores iluminadas e o melhor, uma grande diversidade de corpos circulando. Corpos de várias formas, estilos e experiências.
No meio disso tudo, me deparo com uma frase: você não deve beleza a ninguém. Gostei. Vai contra o fluxo de tudo o que nos bombardeia. Mas não deveríamos mesmo?
Sim, não devemos. Mas estamos convencidos do contrário. Como sujeitos da linguagem, as narrativas nos constituem. Vivemos em sociedade, ela nos precede e nos molda. Como diz Foucault no livro Disciplinar e Punir, “o corpo está diretamente imerso em um campo político; as relações de poder têm um impacto imediato sobre ele; investem-no, marcam-no, dirigem-no, torturam-no, submetem-no ao trabalho, obrigam-no a cerimónias, exigem-lhe sinais”.
Nossos corpos são construídos pelo sistema em que vivemos. Crescemos ouvindo histórias de como um corpo deve existir para ser considerado bonito e desejável. É uma das várias formas de controle social. Práticas de transformação corporal, como dieta, cirurgia plástica, musculação, tatuagens, implantes, and many others., tornaram-se um sintoma do nosso tempo.
corpo desejável
“Como faço para tornar meu corpo desejável?” tornou-se a questão. Acho que talvez seja mais interessante perguntar por que apenas alguns órgãos específicos são considerados desejáveis.
Na minha clínica ouço frases como: não sou atraente, meus lábios poderiam ser maiores, meu nariz mais fino, meu cabelo está grisalho, tenho rugas, estou envelhecendo.
Consumimos e somos consumidos pelas prescrições que nos cercam.
Então eu faço uma aposta, uma aposta na palavra. É preciso apontar questões que fazem o sujeito falar, ouvir, refletir e deslocar esses sentidos petrificados da “estética perfect”.
Se fomos construídos pela linguagem, é por meio dela que se inicia o processo de desconstrução. Flexibilizando os sentidos, compreendendo como os corpos eram narrados e constituídos.
Como ser resistência ao chamado “padrão de beleza”?
E assim continuo andando pela rua, espaço de grande potência, em que o olhar é capturado por temas pintados, com contornos e adornos diversos: corpos que resistem!
Maurício Busatto, é licenciada em Psicologia Clínica e Ciências Biológicas, com mestrado em Genética e Biologia Molecular. Atualmente realiza atendimento clínico baseado no referencial teórico e ético de Jacques Lacan.
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