Poucos torcedores sofreram tanto quanto o Cruzeiro recentemente. O clube foi rebaixado em 2019 e amarga posições na Série B em 2020 e 2021. Como se não bastasse o resultado esportivo e as finanças enfraquecidas, o desfalque foi descoberto. 2022 veio com SAF, a promessa de dias melhores. E eles chegaram. A organização da equipe liderada por Pezzolano é um prazer de ver.
Fora de campo, Ronaldo Nazário comanda um processo de reestruturação administrativa. Em campo, o técnico uruguaio consegue colocar em prática a filosofia que trouxe para a organização coletiva do time, e o crescimento particular person de algumas peças confirma esse sucesso. A Raposa tem DNA muito identificável.
As dez vitórias, duas derrotas e o empate em 13 jogos da Série B formam a melhor campanha de um time na competição desde 2014. A Chapecoense somou 32 pontos na 13ª rodada de 2013. Os resultados foram acompanhados de desempenho para o padrão da Segunda Divisão, que também dá o direito de sonhar em surpreender na Copa do Brasil.
O grupo de jogadores da Raposa não tem nomes de grande valor no mercado atual. As principais contratações foram o goleiro Rafael Cabral, o meia João Paulo e o atacante Edu. O primeiro vem de dez anos na Europa após se destacar no Santos campeão da Libertadores de 2011. O segundo teve uma boa atuação pelo Atlético/GO na Série A. E o terceiro foi destaque do Brusque em 2021.
O restante do elenco reúne jovens da base, destaques em clubes menores da Série A ou Série B, e atletas que não tiveram espaço na 1ª divisão. Pezzolano fez dessa mistura um time que não abre mão da bola para tentar dominar os adversários, e sabe bem o que fazer para criar probabilities. Sem a bola, a ordem é ser agressivo para recuperá-la rapidamente.
O esquema tático é quase sempre 3-4-3. Atualmente, o trio de defesa titular é formado por Zé Ivaldo, Lucas Oliveira e Eduardo Brock. O treinador consegue tirar muita participação deles no momento ofensivo. São os três jogadores que mais trocam passes em média em toda a Série B. Eles levam a pelota a gerar desmarcação de um companheiro e trabalhar com passes curtos ou longos.
Em alguns jogos, Pezzolano usa um lateral como zagueiro. Geovane Jesus é um exemplo. Os alas estão sempre muito afiados nas laterais, atacando a última linha de defesa para gerar algo visto no trabalho do uruguaio desde que começou a ganhar notoriedade em seu país. Há sempre cinco atletas em segundo plano, empurrando o rival para trás. Matheus Bidu tem sido muito produtivo na esquerda.
Os médios defensivos estão mesmo à frente dos defesas e distribuem o jogo com velocidade. Neto Moura e Willian Oliveira trabalham duro em passes longos em profundidade ou inversões laterais para pegar os alas em situações de um contra um. Edu é o centroavante. Ele basicamente se movimenta no mesmo setor dentro do proposto ”ataque posicional”, e é acompanhado por dois jogadores mais leves de cada lado.
Fernando Canesin e Jajá são os titulares, mas há rodízio nesses papéis. Enquanto um deles procura ser o elo central entre os médios defensivos e a área, o outro ataca mais espaços nas costas da defesa, é uma espécie de ”segundo avançado”. Jogam quase sempre no ‘meio espaço’, nas costas dos médios rivais, entre defesas e laterais. O ataque em profundidade e os movimentos de apoio das asas são bem coordenados.
Outro ponto interessante é a reação instantânea ao perder a bola. O Cruzeiro tem isso como premissa, e os zagueiros são incentivados a “correr para frente” ao invés de recuar. A proposta é sufocar o rival no setor onde a bola foi perdida e inibir os contra-ataques. Tem funcionado. A equipe sofre poucos gols e sofre poucos chutes.
Projetar o 2023 na Série A torna-se cada dia mais actual na Raposa. Certamente serão contratados reforços para atender às demandas da elite do futebol brasileiro, mas o time já tem um modelo, e a continuidade desse trabalho facilitará a competitividade. A recente renovação do contrato da comissão técnica é uma ótima notícia.